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Ao entardecer, gostava de apoiar-se no muro de tijolos do pequeno e estreito quintal que tinha em sua casa. Um pouco modesto,não tinha muitas coisas, nem sabia muitas coisas. Era simples no pensar, no agir, no falar e no entender. Entendia as coisas de forma direta, não era lá de interpretar, era de sentir. Assim, sentia o voo da garça que sobrevoava o céu azul cimentado do seu bairro.

Carregava o peso de sua simplicidade. Carregava o peso dos sentidos, o peso dos olhos caídos e da audição sensível. Sua cabeça pesava como uma abóbada, uma daquelas produzidas por pintores clássicos que também eram filósofos e arquitetos e inventores e gênios. Esquecidos. Uma abóbada cheia de ideias diretas e com abertura pro céu, como ponte direta.

Confusão era harmonia, sabia disso. Era ciente de sua pequenez que abrigava uma subjetividade que se expandia pelos sentidos, por suas cruzes e fronteiras. Na sua harmonia via rostos, escutava melodias de riso melancólico, saboreava extratos de flores que nunca viu ou cheirou. Isso lhe trazia leveza e paz, uma paz perseverante daquelas que nos colocam irrequietos dentro da própria tranquilidade. Alquimia das antigas.

O contato áspero dos tijolos era quase imperceptível. Dividia-se em muitas partes, em muitos outros aspectos e formas que se transformavam quase que instantaneamente só para explodir em milhões de estrelas espetaculares. Sentia as explosões na ponta da língua, no céu da boca, no céu da garça que observava e até no lóbulo. Extrato, boca, explosões, flores, orelha.


E desfazia-se em explosões de estrelas. Não era nada. Do nada transmutava-se em tudo. De tudo, transfigurava-se em céu. Não pelo pouco que era, mas pelo muito que havia sido na pequenez de sua infinitude. Alquimia das antigas.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

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