Porão

Ontem eu desci até o porão. Assustado, tentei sem sucesso acender alguma luz, nada funcionava e contentei-me com uma lanterna velha e com as pilhas já fracas. Que bagunça eu encontrei! Um passo, outro passo, mais outro e uma batida seca na lanterna que insistia em apagar. Querendo ou não, eu conhecia todas aquelas coisas, aqueles objetos jogados, aquelas caixas lacradas. Entre um passo e outro, entre uma batida na lanterna e outra, eu me perguntava o que eu pretendia ali e se não seria melhor dar meia volta e desistir.
O ar era pesado, quente, seco, carregado de histórias. Comecei a bisbilhotar as caixas, uma a uma eu abri, uma a uma eu violei, meio roboticamente, meio vorazmente, não sei ao certo.
Demorou um pouco pra que eu voltasse a ter certeza do que estava fazendo. Quando voltei a mim, minhas mãos estavam sujas, meu rosto coberto por poeira e meus olhos estavam vermelhos e inchados e eu estava sentando no chão. Não sei se chorei, não sei se foi o pó, mas eu não sabia nem o que tinha acontecido.
Fiquei mais assustado e fechei os olhos, juntei as mãos com força, talvez eu estivesse tentando rezar...Inspiro, expiro, respiro, inspiro, expiro, abro os olhos com relutante determinação. Nem era coragem, disso eu tenho certeza.
No chão estavam segredos dos quais tentei fugir, estavam as renúncias, as vezes em que me neguei, neguei tudo, neguei todos, afastei tudo, afastei todos. O ar pesado fazia eu me sentir mal, agora tinha certeza de que estava chorando.
Olhei as caixas despedaçadas espalhadas pelo chão, perdidas e maculadas. Olhei pra mim. Eu despedaçado, eu marcado, eu perdido. Eu.

domingo, 5 de maio de 2013

One response to Porão

  1. Bruno Eleres says:

    Comecei a escrever uma crônica/cono sobre lembranças, mas acabou entrando para a minha imensa pasta de textos inacabados... >.<

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